Já escrevi aqui, e reforço o entendimento, de que o PSol é um partido necessário, ainda que eu seja incapaz de imaginar essa turma no comando de uma prefeitura, por exemplo. Porém, em tempos de modismo, onde é fácil acompanhar a manada, em comportamento de rebanho, o vereador Matheus Gomes, da bancada do PSol de Porto Alegre, foi corajoso, coerente e lúcido ao não cantar o hino do Rio Grande do Sul.
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Isso eu digo ao olhar o lado dele: o de um negro com representação parlamentar. Não chego a partilhar o entendimento de alguns que o nosso hino seja racista. Mas eu dizer, é fácil, sob a lupa de quem é branco e não sabe o que é a cor ser um fator de divisão.
O mal-estar, pela postura dele, gerou um atrito com a vereadora comandante Nádia (DEM) que cobrou respeito por parte do colega de Legislativo. Foi aí que o vereador, ao se valer da chamada questão de ordem, usou a tribuna e disse:
- Nós, como bancada negra, pela primeira vez na história da Câmara de Vereadores, talvez a maioria daqui que já exerceram outros mandatos não estejam acostumados com a nossa presença, não temos obrigação nenhuma de cantar um verso que diz: "povo que não tem virtude acaba por ser escravo".
INVISÍVEIS
Historicamente, a Revolução Farroupilha (1835-1845) construiu uma memória coletiva que só faz referência a homens brancos, bravos dotados de uma coragem espartana e sabedoria grega, quando se sabe que não foi bem isso. A história bem como os espaços, onde a cultura gaúcha é enaltecida, tornaram os negros invisíveis na construção do nosso Estado.
A revolução foi feita a ferro, fogo e suor de escravos negros, forçados a trabalhar para os grandes proprietários de terra, fundamentais durante a batalha. O que muitos esquecem, ou o que é pior, não querem reconhecer, é o papel dos Lanceiros Negros. Durante 10 anos, ao lado dos farrapos, os escravizados, com lanças compridas, combateram montados em cavalos as tropas imperiais.
A postura do vereador da capital gaúcha apenas deixa estarrecidos aqueles que veem a revolução como uma batalha de heróis gaúchos, que na verdade, nada mais eram, que a elite escravocrata do nosso Estado. Um lanceiro negro acertou em cheio o preconceito de alguns sulistas.